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Principais pontos do recém-criado Código de Defesa do Contribuinte do Estado de Mato Grosso

Publicado em 05.mar.2024
Principais pontos do recém-criado Código de Defesa do Contribuinte do Estado de Mato Grosso

Principais pontos do recém-criado Código de Defesa do Contribuinte do Estado de Mato Grosso

No dia 31 de janeiro de 2024, foi publicada a Lei Complementar Estadual 789/2024[1], de autoria do Deputado Estadual Diego Guimarães, que institui o Código Estadual de Defesa do Contribuinte (CEDC), objeto deste artigo e cuja finalidade, neste momento, é apenas apontar os principais pontos da citada legislação.

O CEDC fixa e regula direitos, garantias e deveres do cidadão-contribuinte aplicáveis na relação jurídica-tributária com a Administração Fazendária Mato-grossense (art. 1º, Lei Complementar Estadual 789/2024).

Com efeito, já passava da hora de existir uma legislação nesse sentido no Estado de Mato Grosso, afinal de contas, é nítida a diferença de forças, a desigualdade de tratamento entre Fisco e contribuinte, não tendo sido outra a razão para apresentação da proposição legislativa. Aliás, a esse respeito, confira-se a justificativa contida no Projeto de Lei Complementar 36/2023, que originou a Lei Complementar Estadual 789/2024:

Desde há muito que é consagrada, jurisprudencial e doutrinariamente, a necessidade de se estabelecer medidas jus-normativas de equalização na relação atualmente extremamente desigual na relação jurídico-tributária.

Nesta toada, o Código Estadual de Defesa do Contribuinte aqui proposto revela um conjunto de normas as quais regulam e disciplinam a atuação e a interação do sujeito passivo perante a Fazenda Pública Estadual com o escopo de disciplinar e, de certa forma, limitar a avidez arrecadatória.

Sobretudo porquanto é consenso acadêmico que a avidez na cobrança fiscal, decorrente em muito da ausência de balizas legais mais claras e específicas de seus limites, implica, necessariamente, no desestímulo à produção e, em especial, prejudica o trabalhador assalariado.

Assim, a apresentação deste Projeto de Lei Complementar justifica-se integralmente na conveniência e oportunidade da regulação da matéria.

(…)

Desta sorte, se não s (sic) pode afirmar que o poder de tributar do Estado é irrestrito, em especial por força dos direitos e garantias fundamentais expostos na Constituição da República, forçoso reconhecer que hoje estabelece-se em detestável desigualdade que precisa ser, de forma urgente, corrigida.

Sobretudo por meio da delimitação de balizas para imposição de tributos ao sujeito passivo, de acordo com a melhor jurisprudência e diretrizes fiscais e tendo como premissas basilares os princípios da livre iniciativa e da Liberdade Empresarial.

Almeja-se, destarte, a diminuição das assimetrias e disparidades próprias na relação do Contribuinte com a Fazenda Pública sem, de qualquer forma, despir os agentes fiscais das necessárias prerrogativas para a boa realização da arrecadação necessária à continua melhoria e incremento nos serviços públicos prestados à população. [2]

A discussão para a criação de um código de defesa do contribuinte, importante registrar, não é novidade no Brasil. O Estado de Minas Gerais possui um código de defesa do contribuinte desde 2000 (Lei 13.515, de 07 de abril de 2000) e o Estado de São Paulo desde 2003 (Lei Complementar 939, de 03 de abril de 2003).

Em nível nacional, há o Projeto de Lei Complementar 17/2022, que, entre outros assuntos, institui o código de defesa do contribuinte, já aprovado pela Câmara dos Deputados, encontrando-se, atualmente, no Senado Federal para discussão e deliberação.

Muito bem, superadas essas breves considerações, o primeiro ponto a se destacar da legislação em discussão refere-se ao estabelecimento dos seguintes princípios básicos (art. 3º, incisos I a IV, Lei Complementar Estadual 789/2024), ou seja, dos fundamentos do CEDC: i) a disponibilização de informações claras e objetivas acerca das espécies tributárias a que submetido o contribuinte; ii) a ampla proteção do contribuinte contra eventuais ilegalidades e arbitrariedades; iii) o reconhecimento da relação assimétrica entre o contribuinte e a Fazenda Pública Estadual; iv) a ampla defesa, a proteção à confiança, o efetivo contraditório e o devido processo no âmbito Administrativo Tributário Estadual.

Com base nesses alicerces, o CEDC, que possui, ao todo, 33 (trinta e três) artigos, fixou os seus objetivos, bem como os direitos, garantias e obrigações do contribuinte, além das vedações e deveres da Fazenda Pública Estadual.

As garantias à ampla defesa e ao contraditório são eloquentemente enfatizadas no CEDC, o que não poderia ser diferente, já que constituem princípios constitucionais. Ora, ninguém pode ser privado da liberdade e de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, LIV, CF/88).

Merece destaque, ainda, a disposição do código que estabelece que a interação do contribuinte com a Fazenda Pública Estadual deve ser presumida de boa-fé (art. 6º, Lei Complementar Estadual 789/2024).

Outra presunção relativa diz respeito à garantia da verdade nos lançamentos contidos nos livros e documentos contábeis ou fiscais do contribuinte, quando fundamentados em documentação hábil (art. 11, III, Lei Complementar Estadual 789/2024).

Uma das vedações impostas à Fazenda Pública Estadual, diga-se de passagem, muito importante para o contribuinte, é a proibição de lavrar auto de infração contrário ao enunciado de súmula do STF, do STJ, em julgamento de recursos repetitivos, ou contrário ao reiterado entendimento da administração fazendária, sob pena de responsabilidade funcional do servidor (art. 27, V, Lei Complementar Estadual 789/2024).

Por falar em responsabilização, segundo o CEDC, é direito do contribuinte obter reparação de danos patrimoniais e morais decorrentes de atos praticados por servidor público sem a estrita observância da legislação tributária (art. 10, XVII, Lei Complementar Estadual 789/2024).

Outra disposição que merece relevo é a que proíbe a Fazenda Pública Estadual de emitir ordem de fiscalização ou outro ato administrativo autorizando quaisquer procedimentos fiscais baseados exclusivamente em denúncia anônima que seja genérica, seja desprovida de indícios de autoria e de comprovação da prática da infração, tenha objetivo de vingança pessoal, envolva valor monetário indefinido ou reduzido e não forneça dados para identificação com segurança do contribuinte supostamente infrator (art. 30, incisos I a V, Lei Complementar Estadual 789/2024).

Esses são, ao meu sentir, os principais pontos do CEDC, que será regulamentado pelo Poder Executivo e entrará em vigor em 90 (noventa dias) após a sua publicação.

Trata-se de uma alvissareira lei, que busca acabar com o tratamento desigual entre o cidadão-contribuinte e o Estado-Fisco, bem como trazer segurança jurídica, diminuindo, por consequência, a litigiosidade tributária. E, com isso, todos ganham, inclusive a sociedade.

Por último, e não menos importante, convém mencionar que o CEDC aborda os assuntos relativos à parceria e à cooperação entre o contribuinte e a Fazenda Pública Estadual, que precisarão, evidentemente, ser mais bem aprofundados e estruturados, sobretudo para ficarem em sintonia com o preconizado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que, em 2013, publicou o material “Conformidade cooperativa: Uma ferramenta – Do relacionamento aprimorado à conformidade cooperativa” [3].

Esse tema será objeto de um próximo artigo, mas um dos pilares da conformidade cooperativa é o commercial awareness (consciência comercial, em tradução livre), compreendido como a necessidade de o Fisco ter o conhecimento do mercado, da estrutura e dos negócios do contribuinte.

Isso é relevante, pois as atividades econômicas são dinâmicas e a legislação não consegue acompanhar esse dinamismo, razão por que o Fisco deve ter um conhecimento macro da empresa do contribuinte. Só assim será possível respeitar a livre concorrência e a liberdade empresarial.

Para finalizar, vem muito a calhar a citação de um trecho da obra “O conto da ilha desconhecida”, de José Saramago: “… Que é necessário sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos se não nos saímos de nós, Se não saímos de nós próprios, queres tu dizer, Não é a mesma coisa.” [4]

[1]MATO GROSSO. Lei 789, de 31 de janeiro de 2024. Instituiu o Código Estadual de Defesa do Contribuinte. Cuiabá, MT: Assembleia Legislativa, [2024]. Disponível em: https://www.al.mt.gov.br/norma-juridica/urn:lex:br;mato.grosso:estadual:lei.complementar:2024-01-31;789. Acesso em: 19/02/2024.

[2]MATO GROSSO. Assembleia Legislativa. Projeto de Lei Complementar 36, de 26 de abril de 2023. Instituiu o Código Estadual de Defesa do Contribuinte. Cuiabá, MT: Assembleia Legislativa, [2023]. Disponível em: https://www.al.mt.gov.br/storage/webdisco/cp/20230426085518180200.pdf. Acesso em: 19/02/2024.

[3]Co-operative Compliance: A Framework – From Enhanced Relationship To Co-operative Compliance. OECD, 2013. Disponível em: https://read.oecd-ilibrary.org/taxation/co-operative-compliance-a-framework_9789264200852-en#page4. Acesso em: 22/02/2024.

[4]SARAMAGO, José. O conto da ilha desconhecida. Lisboa: Editorial Caminho SA, 1998. Revisão: Eliana Antonioli e Isabel Jorge Cury. São Paulo, Editora Schwarcz SA, p. 19. E-book Kindle.

Também disponível em: JUS

Sobre o autor

Deivison Roosevelt do Couto

LGPD, ESG, riscos, governança e compliance no agronegócio

Advogado, sócio no escritório Prado Advogados Associados – Cuiabá/MT

Mestrando em Compliance pela Ambra University – Orlando, FL-EUA

Especialista em Direito Tributário (Universidade Anhanguera-Uniderp) e Direito Processual Civil (FESMP/MT)

Conselheiro Titular no Conselho Administrativo de Recursos Tributários de Cuiabá – CART

Compliance Officer de uma grande cooperativa agroindustrial em Campo Novo do Parecis/MT

Ex-assessor jurídico de desembargador no TJ/MT