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Cobrança de créditos da União e do FGTS: agora, acordos de transação individual deverão apontar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável nele envolvidos

Publicado em 25.out.2023
Cobrança de créditos da União e do FGTS: agora, acordos de transação individual deverão apontar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável nele envolvidos

Cobrança de créditos da União e do FGTS: agora, acordos de transação individual deverão apontar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável nele envolvidos

Em julho do ano passado, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional editou a Portaria PGFN nº 6757/2022[1], regulamentando a transação na cobrança de créditos da União e do FGTS.

Inicialmente, é importante esclarecer que o objetivo deste artigo não é esmiuçar a Portaria PGFN nº 6757/2022, mas sim abordar a recente alteração que esta regra normativa sofreu por meio da Portaria PGFN nº 1.241, de 10 de outubro 2023, que entra em vigor no dia 1º de novembro de 2023, especialmente no que diz respeito à necessidade de apontamento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável nos acordos de transação realizados em relação à exigência de créditos da União e do FGTS.

À guisa de introdução, conforme art. 2º, da Portaria PGFN nº 6757/2022, a transação aqui discutida, que é uma modalidade de extinção do crédito tributário (art. 156, III, do Código Tributário Nacional[2]), tem como princípios:

i) presunção de boa-fé do contribuinte;

ii) concorrência leal entre os contribuintes;

iii) estímulo à autorregularização e conformidade fiscal;

iv) redução de litigiosidade;

v) menor onerosidade dos instrumentos de cobrança;

vi) adequação dos meios de cobrança à capacidade de pagamento dos devedores inscritos em dívida ativa da União e do FGTS;

vii) autonomia de vontade das partes na celebração do acordo de transação;

viii) atendimento ao interesse público; e

ix) publicidade e transparência ativa, ressalvada a divulgação de informações protegidas por sigilo, nos termos da lei.

Com efeito, a transação na cobrança de créditos da União e do FGTS foi regulamentada com o objetivo de viabilizar a superação da situação transitória de crise econômico-financeira do contribuinte, assegurar fonte sustentável de recursos para execução de políticas públicas, possibilitar que a cobrança de créditos da União e do FGTS seja realizada de forma equilibrada e menos gravosa para todas as partes interessadas, bem como, por fim, garantir que os contribuintes em dificuldades financeiras tenham uma nova chance para a retomada do cumprimento voluntário das obrigações tributárias e fundiárias correntes.

Cada qual com suas particularidades e exigências/condições, as modalidades de transação na cobrança da dívida ativa da União e do FGTS são estas três: i) transação por adesão à proposta da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional; ii) transação individual proposta pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional; iii) transação individual proposta pelo devedor inscrito em dívida ativa da União e do FGTS, inclusive a simplificada.

Superada essa ligeira introdução, agora, adentra-se no ponto principal deste artigo.

Muito bem, como dito anteriormente, em 10 de outubro de 2023, a PGFN editou a Portaria 1.241/2023, alterando alguns dispositivos da Portaria 6757/2022. No que interessa ao assunto em debate, veja o que estabelecem os arts. 18-A, parágrafo único, e 18-B, que foram acrescentados ao texto normativo:

Art. 18-A. Sempre que possível, na celebração das transações, serão observados e perseguidos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, devendo-se buscar efeitos positivos a partir das concessões recíprocas que decorrerem do negócio.

Parágrafo único. São objetivos de desenvolvimento sustentável aqueles previstos na Resolução A/Res 70/1, de 25.09.2015, da Assembleia Geral das Nações Unidas, subscrita pela República Federativa do Brasil.

Art. 18-B. Os acordos de transação individual deverão apontar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável nele envolvidos. [3]

Agora, além de cumprir as exigências e condições já existentes, sempre que possível, na celebração de transações, serão observados e perseguidos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável; já os acordos de transação individual deverão (uma imposição) apontar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável nele envolvidos.

E o que são Objetivos de Desenvolvimento Sustentável?

São o principal caminho que uma organização deve seguir para adequar suas atividades a boas práticas ESG.

ESG é uma sigla em inglês que significa environmental, social and governance (ambiental, social e governança) e que vem ganhando grande visibilidade nos últimos anos. O termo surgiu em 2004 em uma publicação do Pacto Global em parceria com o Banco Mundial, denominada Who cares Wins, que em tradução literal significa: quem se importa, vence.

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, frise-se, foram criados pela ONU visando à construção de uma sociedade mais justa e sustentável e são dezessete, conforme se vê abaixo:

Imagem 1 – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU

Fonte: Pacto Global – Rede Brasil

Disponível em: https://www.pactoglobal.org.br/pg/esg.

Na última semana, alguns nobres colegas advogados tributaristas criticaram a Portaria PGFN nº 1.241/2023, alegando custo extra para o cumprimento desses Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e por contrariar um dos objetivos da transação regulamentada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que é viabilizar a superação da situação transitória de crise econômico-financeira do contribuinte.

Toda manifestação de pensamento é válida e deve ser respeitada, contudo, o assunto não pode ser visto sob esse prisma.

Atualmente, existem grandes desafios globais, podendo ser citados, a título exemplificativo, o aquecimento do clima (Cuiabá/MT, por exemplo, no último dia 19/10/2023, foi considerada a cidade mais quente do mundo[4]), o desmatamento, a poluição do ar e das águas, desigualdade racial, desigualdade de gênero, que somente podem ser enfrentados mediante cooperação de governos, empresas, sociedade, e entidades da sociedade civil.

Muitos desses Objetivos de Desenvolvimento Sustentável não precisam de altos investimentos, mas sim de mudança de cultura, às vezes apenas comunicar o que já vem sendo implementado nesse sentido. E a adoção de práticas ESG, pelo contrário, a longo prazo, enseja ganho de performance, reputação e geração de lucro para as organizações e maior bem-estar para todos.

A ONU disponibiliza um guia chamado SDG Compass, que ajuda as empresas a entenderem os impactos positivos e negativos de suas operações, vinculados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, e, por consequência, a estabelecerem metas compatíveis.

E como demonstrar a adoção dessas metas sem incorrer em greenwashing, socialwashing e governance washing? Melhor dizendo: informar que adota práticas ESG em desarmonia com a realidade?

A PGFN deve editar normativa aclarando esse ponto, mas um dos parâmetros internacionalmente aceitos é o Relatório GRI (Global Reporting Initiative).

Convém esclarecer que a organização não precisa implementar todos os dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, mas sim aqueles relacionados às suas atividades e que fazem sentido, e que contribuem para a construção de uma sociedade mais justa e sustentável. Para este propósito, insista-se, é necessário o engajamento de todos.

Os problemas globais estão aí e é preciso fazer uma escolha para a sobrevivência da humanidade: desenvolvimento rápido e agressivo ou desenvolvimento responsável e sustentável? O que você escolhe?

Fonte:

[1] BRASIL. Portaria 6.757, de 29 de julho de 2022. Regulamenta a transação na cobrança de créditos da União e do FGTS. Brasília, DF: Ministério da Fazenda/Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=125274. Acesso em: 23/10/2023.
[2] BRASIL. Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm. Acesso em: 23/10/2023.
[3] BRASIL. Portaria 1.241, de 10 de outubro de 2023. Altera a Portaria PGFN nº 6.757, de 29 de julho de 2022, que regulamenta a transação na cobrança de créditos da União e do FGTS. Brasília, DF: Ministério da Fazenda/Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-pgfn/mf-n-1.241-de-10-de-outubro-de-2023-516426373. Acesso em: 23/10/2023.
[4] PEREIRA, Ana Júlia. Cuiabá é a cidade mais quente do mundo pela 3a vez na semana. GazetaDigital, 2023. Disponível em: https://www.gazetadigital.com.br/editorias/cidades/cuiab-a-cidade-mais-quente-do-mundo-pela-3-vez-na-semana/750938. Acesso em: 24/10/2023.

Também disponível em: JUS / PONTONACURVA

Sobre o autor

Deivison Roosevelt do Couto

LGPD, ESG, riscos, governança e compliance no agronegócio

Advogado, sócio no escritório Prado Advogados Associados – Cuiabá/MT

Mestrando em Compliance pela Ambra University – Orlando, FL-EUA

Especialista em Direito Tributário e Direito Processual Civil

Conselheiro Titular no Conselho Administrativo de Recursos Tributários de Cuiabá – CART

Compliance Officer de uma grande cooperativa agroindustrial em Campo Novo do Parecis/MT

Ex-assessor jurídico de desembargador no TJ/MT