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Renúncia da Propriedade de Veículos Automotores e Sua Repercussão.

Publicado em 18.ago.2022
Renúncia da Propriedade de Veículos Automotores e Sua Repercussão.

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Renúncia da Propriedade de Veículos Automotores e Sua Repercussão.

Introdução

           Corriqueira a situação de transmissão de posse e de propriedade de bens móveis, como motocicletas, automóveis e caminhões, em que, por algum motivo, não se efetiva a comunicação de venda ou sua formal transferência junto ao Departamento Estadual de Trânsito, gerando continuidade de débitos de licenciamento, aplicações de multas, pontuações na CNH, e de IPVA, indeterminadamente, e em nome do antigo proprietário, acaba possibilitando a renúncia da propriedade de veículos automotores.

Na síntese da lei

            Via de regra a transmissão da propriedade de bens móveis, a exemplo de veículos automotores, se dá por meio da tradição (entrega) pura e simples (art. 1.267, do Código Civil). Entretanto, para efetivar a transferência pública da propriedade desses bens que possuem registro público, o Código de Trânsito Brasileiro exige que se realize a transmissão do bem por meio do comunicado de venda, e sua formal transferência junto ao Detran.

            Na prática, seja por questão financeira, desinformação, financiamentos, restrições, gravames, ou (des)interesse das partes, grande número de compras e vendas de veículos automotores não são levadas ao conhecimento dos Departamentos de Trânsito por meio de comunicação de venda, ou efetivação da transferência, o que faz com que, os débitos veiculares, tributários e de infrações, continuem sendo gerados em nome do antigo proprietário.

            O fato normalmente chama a atenção e vem à tona quando se percebe a existência de inúmeros débitos oriundos de infrações de trânsito e pontuações nas CNH´s gerados em nome de quem consta no registro do bem, aliado ao fato de que outrora, as Secretarias de Fazendas Estaduais possuem autorização legislativa para inscrever os débitos de IPVA em nome dos proprietários, junto aos órgãos de proteção ao crédito, como Cadin e Serasa.

           A situação ganha mais dificuldade de solução quanto mais tempo decorrer do negócio de transmissão do bem a terceiros, devido ao fato de que os adquirentes mudam de domicílio e não são mais localizadas, os veículos que permanecem em circulação, podem ser transferidos inúmeras vezes até permanecerem em locais incertos e desconhecidos, e, ainda existem bens que, não mais circulam, devido a situação precária ou acidentes, mas continuam com seus registros ativos e gerando débitos indesejados ao proprietário e titular do registro público sem a renúncia da propriedade de veículos automotores.

           E ainda existem adquirentes oportunistas, que fazem questão de circular com os veículos em nome de terceiros, na certeza da impunidade quanto as infrações de trânsito.

Então, como resolver a situação dos antigos proprietários prejudicados?

           Na impossibilidade de localização dos veículos automotores que estão gerando débitos, mas não mais pertencem aos antigos proprietários que constam no registro do bem, e da ausência de legislação de trânsito adequada e específica, muitos têm se valido do instituto da RENÚNCIA DE PROPRIEDADE do bem, em que registram em escritura pública a vontade de renunciar à propriedade do automotor, levando a escritura a registro público.

           A circunstância encontra amparo no art. 1.275, inciso II, da lei 10.406/2002 (Código Civil), que estabelece que “Além das causas consideradas neste Código, perde-se a propriedade: II – pela renúncia;”, que se trata de direito pessoal e protestativo do proprietário, que não mais tendo interesse na coisa, pode renunciar a ela, cessando os direitos e deveres inerentes a propriedade.

           A renúncia de propriedade não exige forma específica, apenas manifestação pública de vontade, tratando-se de ato volitivo do próprio titular, que não pode ser condicionada a outros requisitos, pois a propriedade é direito individual consagrado pela Constituição Federal em seu art. 5º, inciso XXII, e não pode sofrer limitação, vez que afeto ao direito de usar, gozo, e livremente dispor da coisa.

            Mesmo dispondo do direito a renúncia da propriedade pura e simples, há dificuldade na operacionalização da cessão das obrigações que recaem sobre os bens. Isso porque, devido à ausência de legislação de trânsito específica, os Detrans têm rejeitado os pedidos diretos de exclusão da propriedade e do nome dos antigos proprietários dos registros automotivos.

            Os órgãos de trânsito, alegam que o Código de Trânsito Brasileiro, em seu art. 134, exige que haja comunicação da venda do bem, e que a efetivação da transferência da propriedade seja realizada pelas partes por meio do documento de transferência preenchido, como condição e formalidade necessária para cessar a responsabilidade do ex-proprietário sobre taxas, licenças, impostos e penalidades e pontuações, incidentes sobre o bem.

            O Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso, tem sido provocado por ex-proprietários nessas condições, e tem decidido favoravelmente a dar validade ao ato de vontade destinado a declaração pública de renúncia da propriedade, determinando a exclusão do nome do interessado do prontuário dos veículos registrados, determinando a cessação dos débitos, a contar do registro público da renúncia da propriedade de veículos automotores

           Nesse sentido é o entendimento do Tribunal de Justiça de Mato Grosso:

RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA – RENÚNCIA AO DIREITO DE PROPRIEDADE DO VEÍCULO – EXCLUSÃO DO NOME DO CERTIFICADO DE REGISTRO DE VEÍCULO (CRV) – DECISÃO REFORMADA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Ainda sem prova hábil da alienação veicular afirmada na inicial, cabe reconhecer os perseguidos efeitos supressores do domínio do objeto no âmbito de uma renúncia que se demarca à data de sua comunicação à Administração Pública. (TJMT – Ap 79455/2016, DESA. MARIA APARECIDA RIBEIRO, PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO, Julgado em 14/05/2018, Publicado no DJE 29/05/2018)

“(…) Outrossim, a renúncia é uma forma legítima de perda da propriedade sobre o bem, nos termos da lei civil, e o simples fato de o Código de Trânsito não se referir a tal instituto não obsta que o proprietário de veículo automotor renuncie a tal condição. O único ponto da lei especial (CTB) a ser observado é o momento a partir do qual essa renúncia surtirá efeitos em relação às normas de trânsito, que, a meu ver, deve seguir a mens legis de seu art. 134, de modo que o renunciante se mantém responsável pelas penalidades atreladas ao bem até o momento da comunicação da renúncia, que, no caso, ocorreu quando da citação da parte requerida neste processo, embora a renúncia acarrete o efeito da perda da propriedade desde a data em que manifestada via escritura pública. Número: 1014117-26.2019.8.11.0003 Rel: MARCIO VIDAL. Julgamento: 11/01/2021”

 

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER – RECONHECIMENTO DA RENÚNCIA SOBRE PROPRIEDADE DE VEÍCULO AUTOMOTOR E DE SEUS EFEITOS SOBRE RESPONSABILIDADE POR TRIBUTOS E PENALIDADES ATRELADAS AO BEM – INTERESSE PROCESSUAL. VERIFICADO. PESSOA QUE NÃO MAIS DETÉM RELAÇÃO FÁTICA DE DOMÍNIO SOBRE O BEM HÁ MUITO TEMPO – NÃO OBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE COMUNICAÇÃO DA ALIENAÇÃO AO ÓRGÃO DE TRÂNSITO À ÉPOCA – IRRELEVÂNCIA – DEMANDA QUE SE REFERE À RENÚNCIA COMO FORMA AUTÔNOMA DA PERDA DA PROPRIEDADE E CLAMA A PRONÚNCIA DE SEUS EFEITOS A PARTIR DELA – SENTENÇA QUE APRECIA O PEDIDO COMO SE O AUTOR BUSCASSE O RECONHECIMENTO DA ALIENAÇÃO DO BEM. EXTRA PETITA. NULIDADE – TEORIA DA CAUSA MADURA – EFETIVADA A RENÚNCIA – PERDA DA PROPRIEDADE VERIFICADA – EFEITOS TRIBUTÁRIOS A PARTIR DA RENÚNCIA. EFEITOS RELATIVOS ÀS PENALIDADES DE TRÂNSITO A PARTIR DA CITAÇÃO – SENTENÇA CASSADA – APELO PROVIDO – DEMANDA JULGADA PROCEDENTE. 1-Tendo a autora manejado ação em que busca a declaração da perda da propriedade de bem móvel por meio da renúncia e a pronúncia de seus efeitos a partir de então, revela-se extra petita a sentença que julga improcedente a demanda por entender que esta não provou devidamente a alienação do bem em data anterior, tampouco fez a devida comunicação ao órgão de trânsito. (…). 4- Se a perda da propriedade é ditada pela lei civil, e não pelo Código de Trânsito Brasileiro, e aquela lei diz que a renúncia sobre bem móvel é suficiente para a perda da propriedade desse bem, a renúncia formal é ato perfeito a evidenciar que, a partir dessa manifestação, o renunciante não mais é proprietário do veículo automotor objeto da renúncia. 5- A insuficiência normativa das leis de trânsito não pode, ao ser incapaz de regrar todas as situações da vida real, impor a alguém, ad infinitum, uma relação de propriedade formal dissociada da realidade fática, sob pena de regularizar situações jurídicas inexistentes na prática, revelando a disfunção do ordenamento jurídico. 6- Tendo o autor formalizado a renúncia, a partir daquele ato não é mais proprietário do bem, pelo que não pode, daí para frente, figurar como responsável por tributo relativo ao veículo, respeitado, todavia, o fato gerador ocorrido anteriormente (art. 76, VI, da Lei 1.287/01). 7- Embora a perda da propriedade tenha ocorrido em 24/1/2018, para efeito de penalidades de trânsito relacionadas ao veículo, deve-se observar a mens legis do art. 134 do CTB e considerar que a comunicação se deu somente com a citação da parte requerida, de modo que somente as penalidades a partir dessa data não podem mais ser impostas ao renunciante. 8- Sentença cassada de ofício. 9- Apelo conhecido e provido. (Apelação Cível nº 0016005- 12.2019.827.0000). Relatora: Juíza Célia Regina Regis. Julgado em 02/08/2019).

            O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, como intérprete final da legislação infraconstitucional, tem mitigado a aplicação do art. 134, do Código de Trânsito Brasileiro, nas hipóteses em que ficar comprovado nos autos a efetiva transferência da propriedade do veículo, em momento anterior aos fatos geradores das infrações de trânsito, ainda que não comunicada à tradição do bem ao órgão competente de trânsito (AgInt no AREsp 1128309/PE).

Conclusão

            Dessa forma, como alternativa viável a solução desses casos, é possível reconhecer o direito de renúncia da propriedade do bem, com exclusão do nome do ex-proprietário do Certificado de Registro de Veículo – CRV, desde que o interessado renuncie expressamente ao direito de propriedade do veículo, nos termos do artigo 1.275, inciso II, do Código Civil, por meio de lavratura de precedente escritura pública.

            Por seu turno, recomenda-se que a parte interessada procure um cartório de registro de títulos e documentos de seu domicílio, ou qualquer outro ofício notarial pertinente, e realize o registro de escritura pública de renúncia da propriedade do bem, que deverá ser devidamente identificado e discriminado, levando essa escritura a registro junto ao Departamento de Trânsito da situação do bem.

            Caso haja recusa do órgão de trânsito em acolher o instrumento público de renúncia, e com a resposta negativa do órgão, haverá evidente pretensão resistida, que autoriza a propositura de ação judicial tendente a obrigação de fazer, em que estarão legitimados a responder ao pleito, tanto o Departamento de Trânsito (que administra o registro do bem), quando a Fazenda Pública Estadual, titular dos Tributos incidentes sobre o veículo.

Referência: 1023167-48.2020.8.11.0001.

 

Cleber Jr. Stiegemeier

OAB/MT 12.198-B

PRADO ADVOGADOS ASSOCIADOS S/S

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